No último relatório “Faróis de Diversidade, Equidade e Inclusão 2024”, publicado pelo Fórum Econômico Mundial, a projeção do Fundo Monetário Internacional (FMI) foi de desaceleração da economia global em 2024. O estudo enfatiza a urgência de se discutir as desigualdades sistêmicas para que tenhamos crescimento sustentável e resiliência diante dos desafios. Destaca ainda que precisaremos de 169 anos para eliminar a disparidade econômica entre homens e mulheres – e assim ressalta como é importante que a comunidade empresarial apoie proativamente medidas que promovam economias mais inclusivas, onde mulheres sejam inseridas.

A perpetuação da sociedade desigual se dá pelos ganhos que ela produz. No período do chamado milagre econômico brasileiro houve impactos significativos na condição da mulher. Mas de qual mulher estamos falando? A filósofa e antropóloga Lélia Gonzalez observou que aquele período resultou em um modelo de modernização excludente, deixando de fora boa parte das mulheres negras. Segundo DIEESE, com base em dados de 2023, mulheres negras têm remuneração média inferior (38,4%), comparada a de mulheres brancas, assim como os homens negros recebem menos (40,2%) em comparação aos homens brancos. Se é possível ter crescimento econômico com as coisas do jeito que estão, por que mudar?

No caso das organizações privadas, para dar celeridade à equidade de gênero, é necessário o engajamento de suas lideranças. O que percebemos é uma grande resistência, partindo da negação da existência de privilégios.

Empresas oferecem “Programas de Liderança Feminina”, com o objetivo de acelerar a prontidão das mulheres para assumir posições mais estratégicas, mas não disponibilizam programas para desenvolvimento da liderança masculina – como se fosse possível resolver algo complexo envolvendo apenas um dos personagens desse tecido social.

Ao longo de março, houve uma intensa divulgação de conteúdos – propagandas institucionais e campanhas publicitárias sobre a mulher nas diferentes mídias –, além de ações internas para as trabalhadoras. Mas, na minha opinião, a entrega de flores se presta mais ao esvaziamento político da data e reforça estereótipos de gênero. E agora? O que fazer no restante do ano? Quais medidas iremos tomar para transformar privilégios em direitos fundamentais para todos?

As organizações precisam entender que ser agente de transformação é ir além de propagandas institucionais e homenagens simbólicas.

A revista Exame publicou que a empresa Natura&Co, grupo que inclui marcas como Avon e Natura, atingiu a meta de oferecer renda digna para todos os funcionários na América Latina, possibilitando eliminar disparidades de gênero e, no caso do Brasil, diferença salarial racial. Vamos pensar: o que é vida digna? É somente ter a renda que permita acesso a moradia, educação e saúde? Ou também precisamos pensar em valores morais e éticos de acesso a direitos e deveres?

Nas palavras da escritora e filósofa americana Audre Lorde, “que mulher não consegue enxergar a marca da sola de seu sapato no rosto de outra mulher?”. A partir disso, deixo uma reflexão: se a disparidade econômica fosse extinta hoje, qual sonho você estaria pronta para realizar amanhã?

Diante do afunilamento hierárquico das estruturas, o engajamento dos homens, como parte do grupo largamente representado, é fundamental para essa mudança. É preciso se entender como parte do problema, compreendendo que essas desigualdades têm impactos negativos na sua humanização.

Essa é uma mudança que exige uma identificação profunda das implicações individuais na manutenção da estrutura e disponibilidade para desenvolver soluções dentro de cada contexto. Estamos longe de viver em uma sociedade justa, mas podemos ficar ainda mais distantes se nada fizermos hoje.

*Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do IstoÉ.